O modelo de financiamento eleitoral brasileiro e a prestação de contas

O modelo de financiamento eleitoral brasileiro e a prestação de contas

*Por Marina Gouveia de Azevedo Viel e Eduardo Rodrigues Pavese

Com alguma frequência, repercutem-se na mídia notícias sobre as bilionárias quantias destinadas aos propósitos eleitorais, reacendendo a discussão sobre o modelo de financiamento das campanhas adotado pela lei brasileira.

A princípio, destacam-se três modelos de financiamento das campanhas eleitorais, adotados mundo afora: financiamento público exclusivo, financiamento privado exclusivo e, por fim, um sistema misto.

Pelo primeiro, como o próprio nome sugere, os gastos necessários ao financiamento das campanhas eleitorais são suportados exclusivamente pelo Estado, em contraposição ao segundo modelo, que, de nome igualmente sugestivo, propõe um financiamento puramente realizado por particulares.

Finalmente, há o modelo misto, adotado pelo Brasil, pelo qual as campanhas eleitorais contam com recursos do poder público e dos entes privados, incluindo-se pessoas físicas e jurídicas.

Buscando ser um intermediário entre ambos, o sistema misto, consequentemente, acaba por receber os elogios e críticas que são dirigidos aos demais modelos.

Por um lado, pesa a favor da utilização de recursos públicos o argumento de equilíbrio da corrida eleitoral, afinal, os concorrentes possuem os mais distintos níveis de riqueza, algo natural em um contexto democrático, de modo que a dependência de recursos privados poderia fragilizar a representatividade almejada pela democracia.

Por outro, não escapam das críticas as vultosas quantias destinadas a estes fins, dado que diversos outros importantes segmentos sociais não recebem semelhante contemplação do Estado. Igualmente perceptível é o fato de que as doações privadas não são realizadas, em sua grande maioria, pela comunhão de bandeiras entre o doador e o concorrente agraciado, mas, sim, pela esperança de retornos preponderantemente escusos, sobretudo quando verificadas as grandes quantias cedidas por determinadas pessoas jurídicas.

A despeito de admitir recursos públicos e privados, a legislação brasileira estabelece, desde logo, um teto para o financiamento das campanhas. A título de exemplo, na disputa eleitoral de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral, por meio da portaria nº 647, fixou como limites: R$ 88.944.030,80, para cada candidato à Presidência da República; R$ 3.176.572,53, para os candidatos à deputado federal; R$ 1.270.629,02, para os que concorrem à deputado estadual ou distrital; além de estabelecer números variáveis, conforme o Estado de origem, para os concorrentes aos cargos de governador e senador, e prever acréscimos para aqueles que se habilitarem ao segundo turno do posto almejado.

No que toca o financiamento público, a Lei de Eleições (Lei nº 9.504/1997) trata do chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanha, popularmente apelidado de “Fundão Eleitoral”, que poderia chegar, no pleito de 2022, ao noticiado montante de R$ 5.700.000.000,00 (cinco bilhões e setecentos mil reais).

Os recursos deste fundo, então, são distribuídos aos partidos políticos conforme o art. 16-D da mencionada lei, destinando-se uma pequena parte, de 2% (dois por cento), igualitariamente a todos os partidos devidamente registrados no Tribunal Superior Eleitoral, e o restante, da seguinte forma: proporcionalmente ao percentual de votos obtido pelo partido na última eleição para a Câmara dos Deputados (35% do fundo); ao percentual de votos obtido na última eleição para o Senado Federal (15%  do fundo); e, ainda, atendendo à proporção do número de cadeiras que o partido possui na Câmara do Deputados (48% do fundo).

Finalmente, o partido desenvolve seus próprios critérios de distribuição das quantias recebidas, por meio de seu órgão de direção nacional, ressalvadas determinadas previsões legais, como a que estabelece um mínimo de 30% ao financiamento das candidatas mulheres, formalizando a deliberação perante o Tribunal Superior Eleitoral.

Para além disto, apenas de passagem, há o Fundo Especial de Assistência aos Partidos Políticos, o fundo partidário, que se destina aos custeio das despesas cotidianas do partido. Arca o Estado, também, com a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, mediante posterior compensação de tributos das emissoras, embora conhecida como “propaganda eleitoral gratuita”.   

Chegando à possibilidade de financiamento mediante recursos privados, a legislação brasileira mostra-se absolutamente preocupada com sua origem e correspondente utilização. A título de exemplo, exige a Lei de Eleições que os candidatos se inscrevam no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e, sobretudo, que os candidatos e partidos abram contas bancárias específicas para documentação de todo o movimento financeiro da campanha.

No que diz respeito ao limite das doações, a Lei de Eleições permite às pessoas físicas doações de, no máximo, 10% (dez por cento) dos rendimentos do doador no ano anterior à eleição, podendo o próprio candidato financiar-se em igual limite.

Embora haja esta permissão às pessoas físicas, o regime brasileiro veda a doação realizada por pessoas jurídicas, conforme assentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 4.650/DF, preocupado, sobremaneira, com os interesses norteadores das doações realizadas por estes entes.

Além das pessoas jurídicas em geral, a lei preocupa-se em vedar outras fontes de financiamento, como, por exemplo, eventuais verbas provindas de um Estado estrangeiro, ante à reflexa ameaça à soberania nacional.

Como se pode imaginar, para além destas regras expostas, várias outras minúcias regulam os limites do financiamento de campanha eleitoral, de modo que se poderia esvaziar a eficácia de todas estas normas se não houvesse uma fiscalização igualmente rígida.

Preocupado com isto, o legislador disciplinou um instrumento a fim de que os partidos e candidatos dessem, à Justiça Eleitoral, publicidade e transparência de seus gastos, bem demonstrando o quanto foi despendido e a origem de cada valor: a prestação de contas.

Dados os valores financeiros e jurídicos envolvidos no financiamento eleitoral (como a própria eficácia da democracia), a prestação de contas tutela a licitude da origem das quantias, a adequação dos gastos de cada um dos elementos de campanha aos limites legais e, até mesmo, o necessário retorno dos valores provindos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha ao Tesouro Nacional, e não gastos, ao Tesouro Nacional.

O que se conclui, portanto, é que a disputa eleitoral apresenta uma série de custos que devem ser contemplados por recursos públicos ou privados. Não há, sabidamente, uma fórmula pacífica de financiamento a ser adotada pelos diversos países, optando o Brasil por um regime misto em que há grande prevalência da utilização de recursos públicos, cabendo à Justiça Eleitoral, por meio da prestação de contas, assegurar a regularidade das quantias obtidas e das despesas geradas, permitindo, com esta difícil tarefa, que a democracia continue a ser um dos pilares da República Federativa do Brasil.

*Marina Gouveia de Azevedo Viel é advogada e sócia da Volpe Zanini Advocacia. Eduardo Rodrigues Pavese é estagiário de Direito.

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